quarta-feira, 4 de setembro de 2013

ARGENTINA: APOGEU E DECADÊNCIA

A Argentina é o segundo maior país da América do Sul. Tem a extensão de 2,8 milhões de quilômetros quadrados, aproximadamente, e uma população que está próxima de 40 milhões de habitantes.
Por ser o mais meridional dos países atlânticos, sua capital, Buenos Aires, funciona como uma espécie de ponto terminal das rotas marítimas de longo curso que buscam o Atlântico Sul. Tanto que, a partir dos 35 graus de latitude sul, os portos existentes no país dedicam-se quase exclusivamente à navegação de cabotagem. 


A Argentina é um típico país platino, mas é também um país andino e possui a Patagônia em sua porção sul. Buenos Aires, a principal cidade do país, está localizada na região geograficamente conhecida como Pampa. Por concentrar a maior parcela da população e dos recursos econômicos argentinos, é considerada o coração econômico do país.
A Patagônia é a região-problema por ser a menos povoada (sua densidade demográfica só em alguns pontos apresenta-se maior que um habitante por quilômetro quadrado) e também por ser a de menos desenvolvimento econômico. No final dos anos 1980 chegou a ser aventada a possibilidade de se transferir a capital do país para Viedma, uma das cidades patagônicas, com o objetivo de promover o desenvolvimento da região.

DESCAMINHOS ARGENTINOS

Nas primeiras décadas do século XX, a Argentina pertencia ao seleto grupo das economias mais dinâmicas do mundo. Milhões de imigrantes recém-chegados da Europa transformaram a antiga colônia espanhola numa potência agrícola. A exportação de alimentos para os mercados do norte sustentou um crescimento econômico invejável e fez do país um ator central no comércio global. Donos da sexta maior renda per capita mundial, seus habitantes desfrutavam de uma qualidade de vida sem paralelo na atrasada América Latina. A vitrine dessa prosperidade é a sofisticada capital, Buenos Aires, de estilo tipicamente europeu, com avenidas largas, construções imponentes e charmosos cafés.
Menos de um século se passou e a Argentina de hoje nunca esteve tão próxima de seus vizinhos latino-americanos. Mais da metade da população, outrora orgulhosa de pertencer à classe média mais pujante  do Cone Sul, resvalou para baixo da linha da pobreza, e 40% da força de trabalho está sem emprego ou subempregada. Esse é o triste balanço da decadência econômica ensaiada pela nação a partir da década de 1950 e que atingiu o ponto crítico com o colapso financeiro de 2001-2002.
Muitos se perguntam como foi possível uma reviravolta tão radical num espaço relativamente curto de tempo. Se a crise argentina provoca indagações, ela, no entanto, não pegou ninguém de surpresa. Quando analisamos suas raízes e evolução, fica claro que, nos últimos anos, o país vivia perigosamente numa corda bamba. A queda era apenas questão de tempo.

ANOS DOURADOS

A Argentina moderna foi construída entre meados do século XIX e o início do século XX. Nesse período, aproximadamente 6 milhões de europeus, principalmente espanhóis e italianos, aportaram no país. O impacto da grande onda migratória logo se fez sentir. A Argentina encontrou na produção de grãos e carne na fértil região do Pampa a sua vocação para o comércio e passou a exportá-los em larga escala, principalmente a partir da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). A importância do país no abastecimento dos mercados era tamanha que ele passou a ser denominado “celeiro do mundo”.
O crescimento intenso levou a diversificação da economia e à formação de uma sólida classe média urbana. Nas primeiras décadas do século XX, o governo argentino investiu pesado na ampliação dos serviços de educação e saúde – o que também melhorou as condições de vida dos mais pobres e gerou empregos. Os investimentos públicos eram financiados com o dinheiro das exportações.
O modelo agroexportador caminhou de vento em popa até o crack da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929. No ano seguinte, sob efeito da Grande Depressão Mundial, os militares tomaram o poder. A Argentina viveu então uma época politicamente conturbada até a eleição de Juan Domingo Perón, em 1946.

PERÓN: A HORA E A VEZ DOS “DESCAMISADOS”

Na época da ascensão do peronismo, a Argentina colhia os frutos de outro boom nas vendas externas agrícolas, propiciado pela Segunda Guerra Mundial (1939-1945). A migração em massa dos camponeses para Buenos Aires, Córdoba e Rosário, estimulada pela incipiente industrialização, levara à formação de um proletariado urbano, ainda sem expressão política e tradição sindical. Foi para essa nova camada social que Perón – então Ministro do Trabalho no governo militar – direcionou seu discurso e aglutinou os votos necessários para alcançar a presidência, em 1946.
 
Mais uma vez, o folgado saldo positivo na balança comercial permitiu a Perón colocar em prática seu programa populista de justiça e bem estar social, que ficou conhecido como “justicialismo”. Primeiramente, organizou os sindicatos dos operários e dos “descamisados”, camponeses recém-chegados à capital.
Reformas sociais e uma avançada legislação trabalhista trouxeram cidadania à classe operária e resultaram numa melhoria significativa de suas condições de vida. Peça-chave nos projetos sociais de Perón, sua mulher, Eva Maria Duarte, a Evita, tornou-se um verdadeiro mito para os argentinos. Investimentos na indústria e a nacionalização de empresas e companhias também foram marcas de seu governo.
No plano externo, Perón adotou uma política de independência, permitindo que, em plena Guerra Fria, a Argentina não se alinhasse automaticamente aos Estados Unidos. Internamente, a doutrina peronista conseguiu reunir correntes ideológicas variadas, isto é, desde simpatizantes do nazismo até grupo de extrema esquerda.
Reeleito em 1951, com o tempo Perón se indispôs com parte do empresariado e das Forças Armadas. A estagnação econômica tirou o brilho do seu governo, e os militares derrubaram-no em 1955. Sua deposição, no entanto, não significou a morte do peronismo. Do exílio, primeiro no Paraguai e depois na Espanha, Perón manteve sua influência acesa. O embate entre os militares e  peronistas dominou a política nacional das décadas seguintes e trouxe a instabilidade à Argentina. Autorizado a voltar ao país, Perón foi reeleito em 1973 e faleceu no ano seguinte. Sua terceira esposa, Isabelita Perón, assumiu o cargo, mas foi destituída em 1976 por um golpe militar.

ANOS DE CHUMBO

Os sucessivos golpes militares lançaram a Argentina numa das piores fases de sua história (1976-1983). Todas as garantias constitucionais foram suspensas, e a dura repressão aos opositores do regime – episódio chamado de “guerra suja” - deixou mais de 10 mil mortos ou desaparecidos.
O manejo da economia foi igualmente desastroso. Na verdade, o PIB argentino vinha cambaleando desde a década de 1950, quando as vendas externas de grãos e de carne deixaram de ser um bom negócio, devido à queda nos preços agrícolas no mercado internacional e às barreiras protecionistas instituídas pela Europa no pós-guerra. Embora o país tivesse investido na construção de um parque industrial, este nunca chegou a ser suficientemente diversificado e avançado a ponto de superar as exportações primárias.
Se a conjuntura estava complicada, os militares conseguiram piorá-la ainda mais, aprofundando o processo de decadência econômica. Em vez de fortalecer o desenvolvimento produtivo, adotaram uma política indiscriminada de estímulo às importações, estratégia que sucateou a indústria nacional. Para se ter uma ideia do impacto dessas medidas, entre 1975 e 1982 a produção no setor encolheu 27%. A abertura ao capital estrangeiro veio acompanhada da inflação galopante, da escalada do desemprego e do endividamento externo.

DEMOCRACIA E HIPERINFLAÇÃO

Em 1983, eleições livres levaram um civil, Raúl Alfonsín, à presidência. Mas seu governo fracassou na tentativa de reverter a pesada herança deixada pela ditadura. O Plano Austral, programa de estabilização econômica lançada pelo governo, não conseguiu reverter a situação.
O governo de Alfonsín passou por crises constantes. Em 1989, quando ele entregou a faixa presidencial a seu sucessor, Carlos Saúl Menem, cinco meses antes do final do mandato, o país estava em meio a uma profunda crise econômica marcada por uma hiperinflação, cujos índices mensais oscilavam entre 100% e 200%.

A ERA MENEM

A chegada de Carlos Menem ao poder, um neoperonista adepto do livre mercado, inaugurou uma nova etapa na vida econômica do país. Menem e seu ministro da Economia, Domingo Cavallo, caíram nas graças dos argentinos e da comunidade financeira internacional ao domarem a hiperinflação com um pacote de medidas neoliberais lançado em 1991 com o aval do FMI.
O Plano Cavallo, como ficou conhecido, tinha um instrumento “mágico”, a Lei da Conversabilidade, que instituiu a paridade cambial. Ou seja, um peso passou a valer um dólar, quer fizesse sol, quer fizesse chuva. Essa relação fixa e imutável foi até mesmo prevista na Constituição. O outro pilar foi a abertura da economia ao capital externo, por meio da privatização em larga escala das empresas e serviços estatais e da atração de investimentos diretos (produtivos) e indiretos (de curto prazo).

A paridade cambial funcionou bem por alguns anos. A Argentina engrenou num ciclo virtuoso, com o capital externo propiciando altas taxas de crescimento econômico. Entre 1991 e 1994, o PIB expandiu-se a uma média anual de 7,7%, e o país era aplaudido mundialmente pelo seu milagre econômico. Amparado em altos índices de popularidade, Menem mudou a Constituição para concorrer ao segundo mandato e reelegeu-se em 1995.
Após a crise financeira no México (1994-1995), a Argentina passou a enfrentar um ambiente internacional mais volátil. O país contornou esse primeiro terremoto em relativa tranquilidade, mas as turbulências no sudeste asiático (1997) e da Federação Russa (1998) provocaram a correria dos investidores e tiveram forte impacto nas contas públicas. Nessa época, as fragilidades do modelo adotado vieram à tona.
Para começar, faltou a parte fundamental: a racionalização dos gastos públicos. O governo de Menem gastava muito mais do que arrecadava para sustentar o funcionalismo, as províncias falidas, o sistema de privilégios e a corrupção. Como não podia emitir moeda, usou dinheiro das privatizações e contraiu empréstimos lá fora. Com isso, a dívida externa, que era de 65,4 bilhões de dólares em 19914, saltou para 140,7 bilhões de dólares em 2001.
O esquema funcionou bem enquanto os organismos internacionais de crédito e os investidores estrangeiros colocavam dinheiro no país. Com a reviravolta da Ásia e na Federação Russa, passaram a desconfiar da capacidade da Argentina (e dos países emergentes em geral) em honrar seus compromissos externos. A fuga de capitais e a crescente dificuldade em obter novos empréstimos começaram a comprometer o pagamento da volumosa dívida interna e externa.
A situação não seria tão crítica se a Argentina pudesse se apoiar nas exportações, a fonte mais segura e autônoma de obtenção de dividas para uma nação. Entretanto, os preços dos itens agrícolas continuaram em queda nos anos 1990. E a abertura econômica, aliada à paridade cambial, sucateou a indústria nacional. Caros e sem qualidade, os produtos argentinos perderam competitividade no mercado externo. Seu porto seguro era o mercado brasileiro. Em 1999, no entanto, o Brasil desvalorizou sua moeda, o Real, abalando frontalmente as exportações argentinas.

A TRAGÉDIA ANUNCIADA

Após uma década à frente do poder, Menem deixou a presidência em 1999. Seu sucessor, o prefeito da província de Buenos Aires, Fernando de la Rúa, herdou um país em plena crise e não conseguiu evitar a catástrofe iminente.
O descontrole dos gastos governamentais, a queda abrupta nos investimentos externos, o alto endividamento e a recessão econômica iniciada em 1999 comprometeram os cofres públicos. A falta de dólares acenava como uma sentença de morte para o sistema de paridade cambial.
Mas o novo presidente não ousou mexer na cotação do peso, por temer que a desvalorização provocasse uma quebra geral de bancos, empresas e pessoas que tinha contraído dívidas em dólares – cerca de 80% das dívidas argentinas eram em moeda norte-americana.
A opção encontrada foi a de apertar os cintos para equilibrar as contas públicas. Nos dois anos de seu governo (dezembro de 1999 a dezembro de 2001), tentou-se de tudo para cumprir a promessa de déficit zero: redução de salários do funcionalismo, cortes nos benefícios trabalhistas e nas aposentadorias, restrições a subsídios e incentivos, cortes no repasse de verbas às províncias etc. Foram nove pacotes econômicos e três ministros da economia; o último deles, Domingo Cavallo, foi chamado para resolver os problemas por ele mesmo criados. Todos os pacotes fracassaram. Não reduziram o déficit nem recuperaram a credibilidade do país no exterior. Aprofundaram a recessão e tiveram um enorme custo social, com aumento do desemprego, da pobreza e das desigualdades.
Nem mesmo o empréstimo de 40 bilhões de dólares liberado pelo FMI em dezembro de 2000 foi suficiente para trazer algum alívio à crise. No decorrer de 2001, o colapso das contas públicas passou a ser visto como uma questão de tempo.

COLAPSO FINANCEIRO E IMPLOSÃO INSTITUCIONAL

A Argentina chegou a dezembro de 2001 sem condição de pagar suas dívidas, o que levou o FMI a suspender ajuda ao país. No início do mês, para estancar os saques em massa de dinheiro dos bancos e prevenir a quebra do sistema financeiro, Cavallo limitou a retirada de dinheiro nas contas conrrentes e da poupança. O congelamento dos depósitos bancários ganhou o nome de corralito (curralzinho).
A polêmica medida ultrapassou os limites do suportável para a enfurecida população argentina, que já vinha sofrendo além da conta os efeitos da crise e passou a conviver com intermináveis dias de feriados bancários e cambiais. Uma onda incontrolável de protestos e saques tomou as ruas de Buenos Aires em reação à política econômica do governo. No dia 20, Fernando de la Rúa renunciou à presidência e fugiu de helicóptero da Casa Rosada (sede do governo), onde milhares de argentinos batiam panelas e reivindicavam sua saída do poder.
Nos dez dias que se seguiram, a Argentina ficou na corda bamba. Três presidentes diferentes ocuparam o cargo até a formação de um governo provisório, em 1º de janeiro de 2002, liderado pelo senador peronista, Eduardo Duhalde.

Uma das primeiras decisões do novo presidente foi pôr fm à paridade peso-dólar, em fevereiro. A desvalorização veio acompanhada da pesificação da economia, ou seja, da transformação em pesos de todas as dívidas e depósitos em dólares numa cotação significativamente inferior à atingida pelo peso com a livre flutuação. No decorrer de 2002 e 2003, a valor do dólar oscilou entre 3 e 4 pesos.
Duhalde tornou ainda mais severo o corralito ao reter, além dos depósitos à vista (conta corrente e poupança), os depósitos a prazo – confisco chamado corralón. O corralito foi extinto em dezembro de 2002.
Seu governo também confirmou a moratória da dívida externa, decretada em dezembro por um dos presidentes relâmpagos, Adolfo Rodríguez Saa. O calote, o maior na história da Argentina, marginalizou a nação no cenário externo. Investidores, credores e organizações multilaterais de crédito amargaram enormes prejuízos e fecharam as portas para o país. Duhalde e seu ministro da economia, Roberto Lavagna, sentiram na pele o isolamento. Somente em janeiro de 2003, após quase um ano de árduas negociações, a Argentina conseguiu fechar um acordo provisório com o FMI – para viabilizar o pagamento de dívidas do país com o Fundo e outros organismos.

UM FUTURO MELHOR?

Em maio de 2003, os argentinos elegeram o novo presidente, o peronista Néstor Kirchner. Ex-governador da remota província de Santa Cruz, Kirchner prometeu trabalhar duro para reconquistar a credibilidade internacional da Argentina, atrair de volta o capital estrangeiro, reformar o Estado, reestruturar a dívida pública e, o mais importante, fazer a economia voltar a crescer após quatro anos de recessão. O PIB argentino contraiu 20% entre 1999 e 2002 – taxa similar à de países em guerra.
Os “panelaços”, saques e manifestações que marcam a história recente da Argentina são a expressão mais fiel de descontentamento de uma próspera classe média subitamente condenada a uma pobreza inédita. A curva da decadência, expressa pelo nível de pobreza e de desemprego, é impressionante.



Fontes:

- OLIC, Nelson Basic; CANEPA, Beatriz. GEOPOLÍTICA DA AMÉRICA LATINA – 2. ed. reform. - São Paulo: Moderna, 2004 – (Coleção Polêmica)
- Peso Argentino – Disponível em: http://ec.i.uol.com.br/economia/2012/05/07/peso-argentino-1336419656997_956x500.jpg (acesso em 04 set. 2013)
- Mapa da Argentina. Disponível em www.argentina.org.au (Acesso em 04 set. 2013)
- Imagem Perón. Disponível em www.blogs.band.com.br (Acesso em 04 set. 2013)
- Gráfico ditadura argentina. Disponível em www.rededemocratica.org (Acesso em  04 set. 2013)
- Tabela Dívida argentina. Disponível em http://www.scielo.br (Acesso em 04 set. 2013)


Nenhum comentário:

Postar um comentário